sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Palavra é mantra?

Quando comecei a praticar Swásthya Yôga me encantei pelos mantras desde o primeiro dia. Logo depois de me inscrever na escola, fui informada e convidada para o grupo de mantras que lá ocorria uma vez por semana. Não tinha muita idéia do que se tratava, e me sentei, curiosa, naquela pequena roda com alguém tocado violão, o instrutor tocando derbak e mais três ou quatro alunos que pareciam saber o que estavam fazendo.
 
Lembro como se fosse hoje: o primeiro mantra que vocalizamos - eu com a ajuda de letra e dos colegas - foi Shambhô Mahádêva, um kírtan (mantra de caráter extroversor, alegre, feito geralmente de olhos abertos e acompanhado por instrumentos musicais e a percussão das mãos, em pronam mudrá dinâmico) que depois ficou martelando na minha cabeça por dias.
 
Minha paixão pelo Yôga com toda a certeza se deve em parte aos mantras: como algumas palavras em uma língua morta, acompanhadas de melodia e palmas surte um efeito tão grande! Quando conheci outros tipos de mantra, como o japa (mantra monotônico, introversor, geralmente composto pela repetição de um um único fonema), aumentei ainda mais meu fascínio, pois pude experienciar efeitos ainda mais profundos e intensos.
 
Mas afinal, onde reside a força dos mantras? Vou deixar para a net as definições básicas do que é mantra e me ater na reflexão sobre seu papel e importância. Fico apenas com uma explicação lacônica para começar: mantra é poder.
 
Não por acaso os mantras são sempre feitos em uma língua morta - no caso do Yôga, o sânscrito - afinal as línguas vivas estão em constante mudança, e parte da força dos mantras está na sua repetição exata ao longo dos séculos. Mantra é assim a palavra (ou som) que não muda, e assim ecoa com cada vez mais força em um determinado setor do inconsciente coletivo.
 
Um dizer comum no Yôga é "Palavra é mantra!", que significa que as palavras tem força e o que é dito não pode ser ´desdito´. Ora, isso é algo tão importante de se pensar hoje! Qual é a força das palavras? De um lado temos a mídia que espalha ´verdades´ sem comprovação, que, por mais falsas que sejam, geram consequências. De outro lado temos as redes sociais, onde tudo é dito e copiado e quase nada tem real importância (ou tem?).
 
Vivenciamos uma época onde há liberdade de expressão como nunca antes e ao mesmo tempo há um profundo descomprometimento com o que é falado. Citações de grandes pensadores? Temos de monte no facebook, twitter e cia, sem saber ao certo de alquela pessoa realmente disse aquilo, e em qual contexto. As pessoas promentem aos outros e a si mesmas coisas que sabem que não irão cumprir. E assim as relações se moldam...
 
Tive um aluno, muito querido, que tinha problemas com a palavra. Explico: no afã de agradar e no impulso de se incluir no que o empolgava, muitas vezes ele se comprometia com mais do que podia e falava que iria fazer muito mais do que efetivamente fazia. Assim, quando esse aluno falava qualquer coisa, ninguém realmente acreditava e alguns nem mais ouviam. A palavra tinha perdido sua força.
 
Uma prática que não é normalmente usada no Swásthya mas que pode ser interessante se for feita da forma certa é o mauna, silêncio. Alguns monges passam meses sem pronunciar uma sequer palavra, em voto de mauna. Eu, como sou de tradição tântrica, vejo no mauna um exercício de auto-estudo (swadhyáya), observação e auto-conhecimento. Experimente passar algumas horas em silêncio. Talvez, se não for penoso, um dia. Observe o que acontece posteriormente quando você tornar a falar.
 
Palavra pode ser mantra e é maravilhoso quando ela o é. Pena que hoje, isso é raro.