domingo, 24 de outubro de 2021

Sobre parir de novo, se reinventar... e se redescobrir.

Não sei quanto tempo eu levarei para terminar de escrever esse post. Começo no dia 21 de março de 2019, aniversário de 1 ano do Caetano, meu segundo filho.

Não é a toa que esse blog está parado há tanto tempo. A Julia que o iniciou não existe mais. Ou melhor, existe e não existe. Mas o que me fez um dia ser uma pessoa ligada em redes sociais se transformou drasticamente.

Não que não exista vontade de escrever, compartilhar muitas coisas. A cada receita muito legal que descubro, a cada bom insight que poderia ajudar os outros. A vontade vem. Várias vezes tiro fotos dos pratos que fiz pensando na receita escrita já. Mas eu pisco e 2, 3, 10 dias se passaram. Dias de vivência intensa da vida real. Com dois filhos. E essa minha presença no dia-a-dia dessas duas crianças lindas que não tem a mínima ideia do que é esse mundo virtual, redes sociais ou a Momo, ah, ela não tem preço.

Escrevo agora enquanto os dois pequenos dormem e eu olho o aniversariante pela babá eletrônica. Acordei hoje muito emocionada pensando nesse ano que passou e quero muito registrar aqui como ele começou. Que esse relato possa ajudar outras mulheres assim como o relato do parto da Alice o fez.

Quando a gente engravida do segundo filho tem a ilusão de que não haverá mais tantas surpresas na gravidez, parto e puerpério. É claro que eu sabia que a existência da Alice por si só ja traria um desafio a mais. Mas nunca, em nenhum sonho, eu imaginaria o quanto muda tudo a cada vez.

A Alice havia nascido de parto natural domiciliar, e depois dela eu me especializei em Yoga para gestantes, o que me fez supor que eu entendia muito do assunto. Ha. Ha. Ha. Caetano chegou para me ensinar a ser mais humilde e mais aberta ao novo e ao desconhecido, por mais conhecido que a gente julgue que ele é.

Logo no início da gestação do Caê comecei a perceber que seria diferente, Eu me sentia muito
Minha última foto com Caê na barriga, voltando de uma aula

diferente. Eu amamentava a Alice ainda, e todo o tempo que eu tinha fora do trabalho era focado nela. Na primeira gravidez a gente curte cada parte. Cada transformação. Na segunda a gente nem vê o tempo passar! Alice começou a brigar muito com o peito, pois meu leite havia diminuído, e tomei a decisão de fazer o desmame da forma mais gentil possivel. Alice desmamou quando eu estava grávida de 4 meses, em outubro de 2017. Apesar de já não ser mais prazeroso amamenta-la (na gravidez o corpo rejeita a amamentação e incomoda e dói bastante), na noite da última mamada eu chorei. Por sentir que nossa relação mudaria. Por perceber que minha pequena estava crescendo. Tinha que crescer, para poder dar lugar ao irmão que vinha.

A gestação continuou. Dessa vez eu já sabia de inicio que Caê nasceria em casa, e eu e meu companheiro fizemos uma pequena poupança para as despesas do parto e puerpério. Eu já tinha a minha equipe, no início sem doula (Anna querida mudou pra Campinas). Lembrei que minha hemoglobina havia caído na gestação da Alice. Comecei a fazer uma alimentação viva, com germinados e muito suco verde para maximizar a absorção de nutrientes. Só que a hemoglobina caiu mais ainda (depois descobri que germinados podem atrapalhar a assimilação do ferro)!!! As parteiras me alertaram que não poderiam fazer meu parto domiciliar se eu estivesse anêmica. Desesperei. Percebi que não estava psicologicamente preparada para um parto hospitalar. Precisei de muita meditação e mergulho em mim mesma para aceitar melhor essa possibilidade. Mas eu não queria. Tomei ferro na veia por 4 semanas e enfim fui liberada para parir em casa.

Com umas 30 semanas Caê ainda não estava cefálico. Comecei a fazer as técnicas de Yoga para bebê pélvico. A super Bruna Rosa, doula que cruzou meu caminho na hora certa, me ajudou a virá-lo com sessões de massagem. Com 34 semanas.

Eu e meu parceiro começamos a planejar o parto. Agora a Alice era parte da equação. Será que ela estaria presente? Nós queríamos, mas não tínhamos certeza se na prática seria bom. Como ela lidaria com a minha dor? Com o meu descontrole? Conversamos muito com ela, preparando-a, e, ao mesmo tempo, fizemos uma lista de pessoas próximas que poderiam ficar com ela durante o parto. Ha. Ha. Ha. Se tivéssemos alguma idéia de como seria...

Dessa vez compramos a banheira inflável. Dessa vez escrevemos cartinhas para colocar debaixo da porta de cada um dos apartamentos vizinhos. Fiz a playlist do parto no spotify... além de tudo o que havíamos feito no parto da Aliçoca: planos de parto A e B, velas, incensos, todo o kit de PD.


A hora estava chegando. Minha barriga trasbordava ainda mais do que na primeira vez. Minha mãe achava minha barriga baixa... com 37 semanas já estávamos na expectativa de que eu entrasse em TP a qualquer instante. Mas não entrava. Algumas amiga que tiveram dois filhos me disseram que o segundo geralmente segue os passos do mais velho. Comecei a sentir que havia um grande relógio invisível ticando e me dizendo que eu tinha pouco tempo para fazer tudo o que eu queria antes do Caê chegar. Antes de eu sumir do mundo por uns tempos mais uma vez. Visitar amigas que tiveram bebê. Sair com o meu marido sem filhos por uma ultima fez  em tempos. Terminar os últimos detalhes da arrumação da casa. Fiz listas e as segui. Com 39 semanas tudo parecia estar em cima. Eu quase nem tinha contrações, mesmo as de treinamento me pareciam fracas comparando com oq eu tive na primeira gestação (como é impossível não comparar tudo, não?).

De repente percebi que meu tampão estava saindo. Opa! Bom, poderia ainda demorar segundo a equipe, mas significava que meu colo estava abrindo... e o tampão não parava de sair! Dias e mais dias com a calcinha lambuzada...

Na data prevista do parto minha cunhada casou em Arujá. Eu não iria, mas meu marido ficou na dúvida. De repente, algumas  contrações um pouco mais fortes vieram. Ah, não amor, melhor você ficar. Mas Caê ainda não queria vir... Mais alguns dias com calcinha lambuzada de tampão. Com 40+2 me perguntei: o que falta? Vasculhei minha mente. A única coisa que eu não tinha conseguido fazer não parecia tão importante... rever O Renascimento do Parto. Era algo que eu queria fazer para relembrar tudo o que é mais valioso nesse momento, mas eu tinha conseguido o documentário em um formato que meu computador não conseguia ler...

Continuei trabalhando, minha alunas gestantes se surpreendendo na minha volta a cada aula. Com 40+3 fui e voltei de ônibus do núcleo de Yoga onde eu lecionava. Eu me sentia ótima, fora a chatice do tampão e poucas contrações esparsas e desrritimadas que nem eram tão fortes. Lembro de, naquela noite de terça feira, dia 20 de março de 2018, enquanto eu caminhava para casa do ponto de ônibus, pensar que talvez seria a ultima vez com Caê dentro de mim.

Cheguei em casa e meu marido tinha conseguido o programa que rodava O Renascimento do Parto! Assistimos. Me emocionei. Revivi esse universo. Pronto. Agora minha lista estava zerada. O engraçado foi que nesse momento, eu nem mais ansiosa estava. Ele virá na hora dele. Fomos dormir.

Acordei umas 4h30 (nunca saberei o horário exato pois não tava ligada no relógio) com uma cólica absurda. Diarréia. A cólica era muito forte, a mais forte que já havia sentido. Eu tremia de dor. fiquei em silencio sentada no vaso deixando tudo aquilo sair de mim... de repente Alice acorda. Ela, que há tempos dormia a noite toda, tinha voltado a acordar nas ultimas noites. Meu marido acorda com o chamado dela. Resolvo chama-lo no banheiro. Eu não me aguentava de dor.

Será que é trabalho de parto? Mas eu não sentia contrações. Só a dor no quadril que me rompia. E não tinha pausa... era uma coisa contínua. O Jack resolveu ligar para a Bruna, doula. Eu fui para o chuveiro ver se a água quente ajudava meu quadril a não explodir. Não adiantava. Me enrrolo em uma toalha enquanto meu marido me informa que a Bruna estava com Giardíase e não poderia vir. Perguntou se eu queria outra doula. Alguém que eu não conheço agora? Não. Jack, você vai ser meu "doulo".

Alice fica um pouco assustada em me ver daquele jeito. Chamo ela, abraço. Explico que está tudo bem. Jack se divide em esquentarbolsadeáguaquenteacalmaraAliceligarparaasparteiras. Elas perguntam sobre as contrações. Não tem pausa na dor! Não sinto não, Maíra! Jack coloca a mão na minha barriga. Está com contração sim, Júlia. Eu só sinto DOR. Caio no chão. Mordo a perna do Jack.

Ok, as parteiras estão vindo. Jack vez uma tapioca para a Alice. Ela quer ficar do meu lado, me ajudar... resolve me dar um elástico para prender o cabelo. Nesse momento eu não estou mais conseguindo lidar. Peço para ela se afastar. Ela chora. Jack vai colocar um filme no computador para ela e eu vou pra nossa cama tentar achar uma posição menos pior... não tem. Sentada, agachada, de quatro. Não tem posição que alivie. Ouço ao longe o Jack enchendo a banheira. Será essa a solução? Não dá tempo.

Caio no chão urrando de quatro. Jack vem correndo. Será que tem MAIS diarréia? É o que parece... Jack só me fala pra soltar tudo. Não, era a bolsa estourando com mecônio. Na descida do Caê pelo canal. Alguma coisa que pareceu com o parto da Alice. Eu aviso pro Jack que vai nascer. Ele não acredita. Já? Sim, já está coroando... não vai dar pra esperar as parteiras chegarem. Me apoio no anteparo ao lado da nossa cama. A cabeça sai no primeiro puxo. Caê tosse, ainda com o corpinho dentro de mim. Jack se prepara. Mais um puxo e segura nosso filho nas mãos para que eu possa desgrudar as minhas do anteparo e o segure com delicadeza para que o pai desenrole seu largo colar de 2 voltas feito no pescoço pelo cordão. Peço toalhas para aquecê-lo. Jack me ajuda a nos acomodar na cama e como um raio limpa todo o chão enlameado de mecônio. Liga para uma das parteiras. Nasceu! Uma delas, a Bianca, já está estacionando o carro. Chega ao nosso apartamento cerca de 5 minutos depois do nascimento, para me auxiliar no parto da placenta.

Estou amamentando o pequeno quando a cólica volta. Mas a placenta demora um pouquinho a dequitar. Ela sai enfim, mas ainda sinto dor. O sangue não para de sair... Caetano já está do lado de fora, mas ainda não terminou.


Um mar de sangue... hemorragia. Que bom que a Bianca está aqui! Essa foi realmente a hora certa dela
chegar. Ela me aplica oxitoxína IM na perna. Arde. Mas o sangue continua. Oxitoxína IV. Fico triste. Um parto tão natural e agora tudo isso! Mas é necessário. Ainda tenho bastante cólica e o rio vermelho não seca. Vamos para o Ergotrate. Que dor HORRIVEL!!!

Enfim a hemorragia para. Foram intervenções imprescindíveis mesmo e me senti grata de ter comigo profissionais tão preparadas e sérias... confiança e segurança totais. Bianca e Maíra (que chegou em algum momento que eu mal lembro) discutem a gravidade da minha hemorragia. Eu perdi mais de 1 litro de sangue. Me sinto fraca. Falo para elas que tenho Noripurum IV (ferro) na minha geladeira . Elas gostam da ideia e me colocam no soro com Noripurum.
Amamentando e recebendo ferro na veia

Estou cansada. Jack me fala que estou muito branca. Mas estou feliz. Nosso filhinho está ótimo! Saiu de mim como um raio ariano, mas agora é a imagem da serenidade. As parteiras me informam que eu não precisarei ir para o hospital. Agora é descansar e me alimentar. Tomo "suco de placenta", como castanhas.... ja estou na minha cama. Como é bom parir em casa!

E foi assim. Sem tempo de encher banheira, ligar playlist ou ascender velas. Caetano quis sair mais rapido do que tudo isso. Antes mesmo das parteiras chegarem. E veio ótimo, perfeito. Elas foram fundamentais para me auxiliar com a hemorragia, mas quem pariu fui EU. Quem segurou foi o pai.

Papai e írmã com o pequeno enquanto mamãe se lava. 
Passei os 4 dias seguintes com contrações fortíssimas e muito dolorosas a cada mamada do Caê, expulsando os coágulos formados pela minha placenta. Pode-se dizer que o Caetano nasceu em 2 horas de parto ativo. Mas meu trabalho de parto durou 4 dias! Bianca e Maíra me explicaram eu tive "atonia uterina", ou seja, a força que meu útero fez durante o parto foi tão grande, em um espaço tão curto de tempo, que me útero ficou exausto e não conseguia mais contrair depois que o pequeno saiu. Por isso a placenta demorou a dequitar, formou coágulos e eu tive uma hemorragia forte. Não desejo essa experiência para ninguém, mas ao mesmo tempo... não mudaria nada.

Caetano desde então vem nos surpreendendo a cada dia, como um doce furacãozinho que ele é.

Consigo terminar esse relato mais de 2 anos depois de inicia-lo. Isso é maternindade real, com a adição de uma pandemia no meio do caminho!

Mas não quis deixar de terminar, para nunca esquecer desse momento e, quem sabe, ajudar outras mães... parto natural e domiciliar é possível SIM! Nunca é o que a gente planejou, mas pode ser lindo, cada um a sua maneira.